14 de Julho de 2014

Choque cultural na celebração da vida e da morte

Estava a embarcar no Maputo, no passado dia 10, vindo para Lisboa, e o telefone tocou. Era um meu amigo que, no meio de uma enorme emoção, me dizia que a mãe acabara de falecer e, tal como há 4 anos, em que eu oficiara as exéquias da sua irmã, me pedia o mesmo serviço.


Fi-lo, obviamente, como toda a cordialidade. Tenho, na minha vida de padre, o privilégio e a alegria de ajudar a ser consolação de Deus, nestas dolorosas situações humanas. Procuro, quanto possível, que os circunstantes me acompanhem nessa ultrapassagem pascal da dor.

Na pequena capela mortuária alimentámo-nos de um texto do livro da Sabedoria: "O justo está nas mãos de Deus". No cermitério do Alto de S.João fizemos uma pequena paragem na campa da filha. Pequeno momento de íntima emoção, sobretudo para os amigos e amigas que com ela tinham privado em vida.

E seguimos a pé até ao coval preparado para este sepultamento. Foi tão rápido! Pouco mais de cinco minutos terão chegado para os funcionários procederem ao enterramento e as coroas de flores encimarem a terra seca amontoada na sepultura. Cinco, dez minutos. Não terão sido mais! Quase um abrir e fechar de olhos!



À minha mente acorreram, logo, os dois últimos funerais em que participei em Nampula. O último, de um brilhante animador das comunidades de Nacaroa, o Papá Paulo da Cruz, cujo sepultamento terá demorado uns bons 60 minutos, senão mais, depois de uma longa celebração eucarísitca que se seguiu a uma noite inteira de vigília de oração na casa dos seus familiares maternos! Um demoradíssimo ritual macua cristão que não se compadece com pressas. O mistério da morte e da vida vive-se, com tempo e contemplação. Com interioridade profunda. 

E em Nampula, não muitos dias antes, oficiara o funeral do meu amigo Jorge Moreira, filho do grande amigo e conhecido revolucionário antifascista Camilo Mortágua, que, a seu pedido, procurei tornar presente da maneira mais digna e sentida de que fui capaz. Ao chegarmos ao cemitério novo de Nampula,  teríamos de esperar uns bons 45 minutos para procedermos ao ritual enterramento do Jorge, porque, no coval ao lado, uma comunidade cristã ainda se alongaria no sepultamento de um seu jovem membro que deveria realizar o seu casamento canónico por aqueles dias.


Terminado aquele, muitos dos cristãos e cristãs se juntaram a nós no sepultamento do nosso Jorge. E foram elas e eles quem, muito espontaneamente e em genuíno espírito de fraternidade cristã, animou o canto da esperança, do recordar que, nesta terra somos apenas peregrinos!

Quanto sentimento humano! Quanta beleza espiritual! 
Que contraste, com esta Europa que, pouco a pouco, vem desaprendendo do mistério da vida! Os velórios, na maior parte das vezes, já não passam de vazios e quase fortuitos momentos de obrigação social. Ali se fala e se conversa de tudo, se comenta e, por vezes, se murmura e cuscuvilha, sem aquele alimento de sabedoria, humana ou divina, que possa preencher o vazio da morte e anunciar a Páscoa da Vida!

Nestes dois dias que levo, de novo, em Lisboa, impressionado pela exiguidade de um funeral nesta Europa desritualizada da vida e da morte, pergunto-me: é a África que ainda está prisioneira da morte ou a Europa que se perde dos valores da Vida?